Marcelo Torres publicou Vertigem de Telhados (poemas, 2015) e nadar em cima da rua (poemas, 2015), editados pela Kazuá, Páthos de fecundação e silêncio (poemas, 2017) e Poemas tímidos e gelatinosos (poemas, 2019), editados pela Patuá. Com a editora Córrego publicou os livros Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde (poemas, 2020) e Tu és isto e mais dez mil coisas (poemas), lançado no mês de maio de 2022. O autor ainda tem poemas publicados em antologias, revistas de literatura e cultura no Brasil e no México, e resenhas sobre obras de outros autores em publicações eletrônicas como a Revista Cult. É um dos criadores do “Canal Clóe de Poesia”, que já realizou mais de 73 entrevistas com poetas brasileiros e da “Editora Clóe”, que é uma casa editorial de publicação de literatura infanto-juvenil e adulta. Nasceu em Pernambuco na cidade de Palmares no mês de março de 1984.
6. vertigem de telhados
“Não há olhos nesse mundo
mais tristes que os do cavalo.”
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ Jorge de Lima
a crina surge tímida próxima da cerejeira
o cavalo branco espreme os olhos
sob o céu de um azul ártico,
há um poeta de séculos passados
que nos ensinou estar dentro das coisas.
ㅤ ㅤ pesadelos
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ mentais
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ síntese cósmica da existência.
íntegro é seguir uma bola
estabelecendo apenas o contato intuitivo do gol,
eliminando qualquer gênero moral,
somos pilhados pelas reações de fenômenos.
as visões são para serem estabilizadas
diante de praias criadas sob a proteção de Dionísio.
uma lamparina acesa sobre a mesa revela um drama
de fantasmas interiores pincelados por uma cor ocre.
ㅤ ㅤ atuas
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ na frente
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ de uma manada de ternos.
no segundo andar notícias explosivas.
os mestres nos museus ultrapassam escolas,
ando na janela observando os telhados
com uma tontura construída
a base de telhas de barro
e
como um equino magro percebo: tenho vertigem de telhados.
(Poema do Livro: Vertigem de Telhados, 2015, editora Kazuá)
aquário ou águas sujas
seu coturno brilha sob o balcão,
ㅤ ㅤ todos os apelos ignorados,
nesse céu sem surpresa, atemporal.
saliva coisas que não sabe nomear,
ㅤ ㅤ valsa escutando música eletrônica.
nunca teve um álbum de afetos,
é aéreo, percorre o mundo.
perversa noite
ㅤ ㅤ :
será eterna no corpo, que evapora o pensar.
(Poema do livro: nadar em cima da rua, 2015, editora Kazuá)
PELE LIMPA
“Som de mar, sossega
As tristezas das ruas.”
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ Jorge de Lima
Ternura, transe, temor
ㅤ ㅤ :
ㅤ ㅤ Pensa no definhamento pendurado no cabide,
ㅤ ㅤ Na ciranda aquática dos delfins.
A água segue tortuosa por cuidar de algo
ㅤ ㅤ Na greta aberta lavada pelo mar,
ㅤ ㅤ Liquida as geleiras dos poros.
Tua corrida homeopática, armadilha gestual
ㅤ ㅤ Permanece nas voltas marcadas.
Susto nas lamúrias da pele limpa,
ㅤ ㅤ Magra impalpável de tanta colisão com o invisível,
ㅤ ㅤ Não existe o ser completo, mas a síntese da estepe.
Aquele que visita a madrugada,
ㅤ ㅤ Quando tem seus afetos distorcidos,
ㅤ ㅤ Gera uma inconstância de Lúcifer desalinhado
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ [sem favo.
Encostado no poste rupestre veem à tona a hedionda memória,
ㅤ ㅤ O chimpanzé furta a fruta, procura a luta,
A escada de emergência que leva para floresta,
ㅤ ㅤ Na véspera do ano novo despenca em ti a solidão.
Falsos fetos no laboratório da escrita.
Quero ser o cangaceiro com punhal de Miracema,
Coragem de couro surrado sobre a várzea.
(Poema do livro: Páthos de fecundação e silêncio, 2017, editora Patuá)
FASSBINDER OVER NIGHT EM 1982
O tempo é curto
o longa precisa
invadir o mundo
sua solidão chagada
necessita de muitos amores
conduzido pela sequência
ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ ㅤ enigmática do melodrama
beija a todos
no balcão
com marinheiros
sem prêmios de loteria
deita com um bom
livro
que há décadas está no teu bolso
xinga
o elenco como uma virgem
alcoólatra
desarticula-se com os conselhos
de tua mãe
Munique
quer seu roteiro debaixo
do tapete escuro
de seus óculos
fique nessa transa de westerns
durante o inverno
com os andróginos da Toscana/New York
muitas pessoas querem
matar suas películas
o veículo te aguarda
para uma noitada
no apartamento desalumiado
porém vai dormir
Rainer Werner Fassbinder
pois ninguém aguenta
18 horas de trabalho
durante três meses
de apuros
tudo em você pode ser amado?
encharca o imaterial
de narrativa
pois poderia ter sido conde
ter uma escultura
de sua jaqueta surrada
vendida por uma boa quantia
de dólares
antes de seu nariz
sangrar pela última vez
naquela noite de 1982
(Poema do livro: Poemas tímidos e gelatinosos, 2019, editora Patuá)
RIO
a palavra dance tem dois genitais
agem perto de balcões
beiços
no serrado a alturaㅤ ㅤ da corporeidade
uma gata desapegada do dono
luminosa
sofro de êxtases/trocadilhos
técnicas para manter-me alegre
fóssil
ler as limusines de saliva ㅤ ㅤ como finitude
vitrines
é de suor a prospecção
do rio das almas
escravos mortos/mata a fora
não quero mensagens sem história
vigílias
meu porte marisco rascunha
analogias erógenas ㅤ ㅤ nesse universo
reeditado
(Poema do livro: Saindo sem avisar/Voltando sem saber de onde, 2020,
editora Córrego)
Sobre equinos
irei cantarolar,
sou montado
me despreguiço
no feno,
já tive olhos verdes
hoje são negros jarros
iguais às crinas
que incorporei
ao coração,
meu pênis
não é do tamanho
dos falos equinos
mas uso-o com a brandura
deles
nos haras
molhados pela chuva,
se gostasse
de dar o rabo
daria
:
para homens-cavalos,
andróginos-cavalos,
trans-cavalos,
travestis-cavalos,
meninas com próteses-cavalos,
com muito amor
na natureza
e
ao relento,
mas me dou realizado
com as salvínias
selvagens,
uso sua abertura
de abelha
para chegar ao néctar,
fazem estações
que minha psique é guiada
por
:
um trapaceiro fictício
seis caballos rojos
em disparada
na minha consciência
(Poema do livro: Tu és isto e mais dez mil coisas, 2022, editora Córrego)
Foto de Anna Carolina Rizzon.